A inteligência artificial (IA) está transformando diversos setores, e o Direito não é exceção. A capacidade de automatizar tarefas repetitivas e otimizar processos está redefinindo a forma como os escritórios de advocacia operam, especialmente na redação e revisão de contratos. Essa tecnologia não apenas aumenta a eficiência, mas também reduz a dependência de advogados para atividades rotineiras, permitindo que os profissionais se concentrem em questões mais estratégicas e de maior valor agregado.
Assim como em outras áreas, o Direito possui um conjunto de regras e precedentes bem definidos, o que o torna um campo fértil para a aplicação de IA. Modelos de inteligência artificial, quando alimentados com dados suficientes, podem analisar documentos, identificar padrões e até sugerir cláusulas contratuais com base em legislações e jurisprudências. Isso tem atraído o interesse de startups especializadas em IA jurídica, como a Harvey, dos Estados Unidos, que recentemente captou US$ 100 milhões com uma avaliação de US$ 1,5 bilhão de investidores.
No Reino Unido, o cenário também é promissor. Startups como Genie AI, Luminance e Robin AI levantaram mais de US$ 100 milhões em financiamento no ano passado. Esse crescimento é impulsionado pela combinação de dois setores robustos: o direito comercial e o ecossistema de startups de IA, especialmente em cidades como Londres e Cambridge. Eleanor Lightbody, CEO da Luminance, destaca que a expertise local em tecnologia e a tradição jurídica do país são vantagens competitivas significativas.
Embora a IA tenha potencial para revolucionar os escritórios de advocacia, sua adoção ainda enfrenta desafios. Muitas empresas estão utilizando a tecnologia para automatizar a redação de contratos, reduzindo a necessidade de advogados para tarefas repetitivas. Empresas de manufatura e construção, por exemplo, estão adotando ferramentas como a Genie AI para agilizar processos internos.
No entanto, a integração da IA nos escritórios tradicionais tem sido mais lenta. Um dos principais obstáculos é o modelo de cobrança por hora, ainda predominante no setor. A automação de tarefas pode reduzir o tempo necessário para concluir um trabalho, o que, por sua vez, diminui a receita dos escritórios. Como observa Rafie Faruq, cofundador da Genie AI, “os grandes escritórios são pagos por sua expertise humana, não pela velocidade”.
A IA está ganhando espaço principalmente nos departamentos jurídicos internos das empresas. Esses setores frequentemente lidam com um volume significativo de contratos e demandas burocráticas, como revisões de acordos com clientes e fornecedores. Ferramentas como a Luminance permitem que as empresas carreguem milhares de contratos existentes em modelos de IA, que analisam cláusulas e sugerem alterações para garantir conformidade.
Essa tecnologia funciona como um “advogado experiente” ao lado do funcionário, oferecendo sugestões e destacando pontos que exigem atenção humana. Além de agilizar a redação de novos contratos, a IA facilita a pesquisa em documentos antigos, permitindo que as empresas identifiquem rapidamente informações relevantes, como clientes que precisam ser notificados em caso de um ataque cibernético.
Apesar do entusiasmo em torno da IA, a indústria enfrenta incertezas. Muitas startups dependem de modelos de IA genéricos, como os da OpenAI e Anthropic, adaptados para o setor jurídico. Isso levanta questões sobre a diferenciação e as barreiras de entrada no mercado. Enquanto a Luminance desenvolveu seu próprio modelo de IA, treinado em 150 milhões de documentos legais, a Genie AI foca em uma biblioteca de modelos pré-definidos para redação de contratos.
Rafie Faruq ressalta que competir com grandes provedores de IA é um desafio, mas acredita que a especialização e a qualidade dos dados de treinamento são diferenciais cruciais. Ainda assim, a realidade é que nem todas as startups sobreviverão à concorrência, especialmente em um mercado que ainda está se consolidando.
O Futuro da Advocacia com a IA
A IA está redefinindo o papel dos advogados, transferindo tarefas rotineiras para máquinas e liberando os profissionais para focar em questões mais complexas e estratégicas. No entanto, essa transformação também exige que os escritórios repensem seus modelos de negócios, migrando de uma cobrança por hora para modelos baseados em valor.
Além disso, a IA pode se tornar uma “concorrente” indireta, à medida que departamentos jurídicos internos assumem funções tradicionalmente desempenhadas por escritórios externos. Para se manterem relevantes, os escritórios precisarão investir em tecnologia, fortalecer relacionamentos com clientes e destacar sua expertise humana, que continua sendo insubstituível em questões que exigem julgamento e criatividade.
A inteligência artificial está redefinindo o mercado jurídico, trazendo eficiência e novas possibilidades para empresas e escritórios. Enquanto a automação de contratos e a análise de documentos são benefícios imediatos, o verdadeiro potencial da IA reside em sua capacidade de transformar a forma como o Direito é praticado. Para advogados e escritórios, adaptar-se a essa nova realidade será essencial para prosperar em um cenário cada vez mais tecnológico e competitivo.