A Inteligência Artificial no Judiciário: Desafios e Oportunidades para a Primeira Instância

Quando a Suprema Corte de um país adota uma tecnologia, isso serve como um sinal claro para todo o sistema judiciário. A adoção de ferramentas inovadoras por um órgão de tamanha relevância incentiva tribunais, Ministérios Públicos, Defensorias e outras instituições a seguirem o mesmo caminho. No entanto, a implementação dessas tecnologias enfrenta um desafio significativo: a questão orçamentária. Enquanto tribunais de segunda instância e superiores têm sido protagonistas na adoção de soluções tecnológicas, a primeira instância — onde está concentrado o maior volume de processos — ainda carece de recursos para acompanhar essa evolução.

No Brasil, há cerca de 80 milhões de processos judiciais em andamento, sendo que 90% desse volume está concentrado na primeira instância, ou seja, nas varas e comarcas locais. Esses juízes e servidores lidam com uma carga de trabalho imensa, mas, paradoxalmente, são os que menos contam com tecnologias avançadas para auxiliar na gestão desses processos. Enquanto tribunais superiores e de segunda instância investem em automação e inteligência artificial, a primeira instância enfrenta dificuldades financeiras para implementar soluções semelhantes.

Essa discrepância gera um impacto direto na morosidade da Justiça. A tecnologia tem o potencial de agilizar processos, reduzir erros e otimizar a gestão de documentos, mas seus benefícios só serão plenamente sentidos quando alcançarem a base da pirâmide judiciária. Enquanto a primeira instância não for equipada com ferramentas adequadas, o problema da lentidão nos processos continuará a ser um desafio crítico.

A boa notícia é que o cenário está mudando. Com o advento da IA generativa e dos grandes modelos de linguagem (LLMs), como os que deram origem ao projeto Maria da Suprema Corte, os custos de implementação de tecnologias estão diminuindo. Esses modelos, que antes eram caros e complexos, agora estão mais acessíveis, abrindo caminho para que a primeira instância também possa se beneficiar deles.

A IA generativa, em particular, tem o potencial de revolucionar a gestão de processos judiciais. Ela pode automatizar tarefas repetitivas, como a análise de documentos, a redação de despachos e a identificação de precedentes, liberando os juízes e servidores para focarem em questões mais complexas. Além disso, a verticalização da IA — ou seja, o desenvolvimento de soluções específicas para o setor jurídico — está tornando essas ferramentas mais precisas e adaptadas às necessidades do Direito.

Enquanto os grandes modelos de linguagem, como o GPT, são ferramentas horizontais — ou seja, aplicáveis a diversos setores —, a verticalização da IA no Direito está criando soluções customizadas para o mercado jurídico. Um exemplo é o projeto Maria, do STF, que utiliza IA para auxiliar na análise de processos. No setor privado, empresas como a New Lever estão liderando esse movimento, desenvolvendo tecnologias para análise de contratos e processos com altíssima precisão.

Essa verticalização já está impactando a prática jurídica. Muitos departamentos jurídicos de empresas estão adotando ferramentas de IA para automatizar tarefas como a redação de petições e contestações. Em alguns casos, a IA gera o documento inicial, e os advogados ficam responsáveis apenas pela revisão. Esse modelo não só aumenta a eficiência, mas também reduz custos e permite que os profissionais se dediquem a atividades de maior valor agregado.

O Papel do Setor Privado e o Futuro do Judiciário

Enquanto o STF e outros tribunais dão os primeiros passos na adoção de IA, o setor privado não está parado. Legaltechs e empresas de tecnologia jurídica estão desenvolvendo soluções inovadoras que já estão sendo utilizadas por escritórios de advocacia e departamentos jurídicos corporativos. Essas ferramentas estão ajudando a reduzir a carga de trabalho, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade dos serviços jurídicos.

No entanto, para que o impacto da IA seja realmente transformador, é essencial que a primeira instância seja incluída nessa revolução tecnológica. A democratização do acesso a essas ferramentas pode ser a chave para reduzir a morosidade e melhorar a eficiência do sistema judiciário como um todo.

A inteligência artificial está redefinindo o Direito, tanto no setor público quanto no privado. Enquanto tribunais superiores e empresas já colhem os benefícios dessa tecnologia, a primeira instância ainda enfrenta desafios significativos, principalmente relacionados a custos e infraestrutura. A verticalização da IA e a redução dos custos de implementação, no entanto, estão abrindo novas possibilidades para que a base do sistema judiciário também possa se modernizar.

O futuro do Judiciário depende da capacidade de levar tecnologia a todos os níveis, garantindo que os benefícios da IA sejam compartilhados por toda a pirâmide. Quando isso acontecer, o impacto na morosidade e na eficiência dos processos será significativo, beneficiando não apenas os profissionais do Direito, mas toda a sociedade.