IA no Direito: Como Chegamos até Aqui e Para Onde Vamos?

O mercado jurídico passou por transformações significativas ao longo das últimas décadas, e a inteligência artificial (IA) emerge como um dos principais catalisadores de mudanças na atualidade. Para compreender seu impacto, é essencial analisar a evolução do setor e refletir sobre os desafios e oportunidades que se apresentam.

No início do século XX, a advocacia era essencialmente artesanal. Advogados atuavam de forma autônoma, com pouca ou nenhuma estrutura tecnológica. A comunicação com clientes era formal e burocrática, e a gestão do conhecimento dependia de métodos manuais. Esse cenário começou a mudar com o surgimento do Cravath System, criado pelo advogado americano Paul Cravath. Esse modelo introduziu a profissionalização dos escritórios, com a contratação de bibliotecários para organizar e facilitar o acesso à informação jurídica.

No Brasil, a profissionalização ganhou força na segunda metade do século XX, impulsionada por escritórios como o Pinheiro Neto, que atendiam a demandas de empresas estrangeiras. A necessidade de estruturas mais robustas e eficientes marcou o início de uma nova era, na qual a advocacia deixou de ser apenas artesanal para se tornar um negócio estruturado.

A década de 1990 trouxe mudanças significativas para o Direito brasileiro. A criação do Código de Defesa do Consumidor e a estabilização econômica proporcionada pelo Plano Real ampliaram o volume de demandas judiciais e impulsionaram a adoção de tecnologias para lidar com a complexidade e o volume de casos. Esse período também viu o crescimento de departamentos jurídicos internos nas empresas, que passaram a desafiar a tradicional assimetria informacional entre clientes e escritórios.

Com o fortalecimento dos jurídicos internos, as empresas ganharam três “superpoderes”:

  1. Avaliação da complexidade das demandas, o que trouxe maior transparência na precificação dos serviços.
  2. Capacidade de avaliar a qualidade do trabalho dos escritórios, aumentando a concorrência no mercado.
  3. Internalização de tarefas, reduzindo a dependência de escritórios externos.

Essa mudança de paradigma colocou os jurídicos internos como concorrentes diretos dos escritórios, exigindo que estes repensassem suas estratégias de atuação.

O século XXI marcou o início da era digital no Direito. No entanto, o setor enfrenta desafios regulatórios que limitam sua capacidade de inovar. No Brasil, apenas advogados podem ser sócios de escritórios, o que dificulta a atração de talentos em tecnologia e a adoção de modelos de negócios mais flexíveis, como o vesting, comum em startups. Além disso, o déficit de profissionais de tecnologia no país cria uma barreira adicional para a modernização dos escritórios.

Apesar desses obstáculos, a democratização da inteligência artificial, impulsionada por ferramentas como ChatGPT, Gemini e Llama, está redefinindo o cenário. Essas tecnologias, inicialmente desenvolvidas para um público amplo, deram origem à IA vertical, que oferece soluções customizadas para setores específicos, como o jurídico.

IA Vertical: O Futuro do Direito?

A IA vertical representa uma evolução crucial para o mercado jurídico. Enquanto ferramentas horizontais, como o ChatGPT, têm limitações em termos de acurácia e aplicabilidade em contextos específicos, soluções verticalizadas são treinadas para atender às nuances do Direito. Um exemplo notável é o caso da Casetext, nos EUA, que desenvolveu a ferramenta CoCounsel com a participação de advogados locais, alcançando altos níveis de precisão.

No Brasil, empresas como a New Lever estão liderando esse movimento. Com uma acurácia de 97% na análise de contratos, a New Lever demonstra que a precisão é um diferencial competitivo essencial. A IA também está revolucionando tarefas como due diligence, onde a análise de 200 contratos, que antes demandava centenas de horas, pode ser realizada em menos de uma hora.

A adoção da IA traz desafios significativos, especialmente em relação ao modelo de cobrança por hora, ainda predominante no setor. A eficiência proporcionada pela tecnologia pode tornar esse modelo obsoleto, exigindo a transição para modelos baseados em valor. Além disso, a internalização de tarefas pelos jurídicos internos continua a pressionar os escritórios, que precisam se adaptar para manter sua relevância.

Por outro lado, a IA oferece oportunidades para aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços. A combinação de tecnologia avançada com a expertise humana pode resultar em um mercado jurídico mais ágil e adaptado às demandas contemporâneas. A construção de relacionamentos de confiança com os clientes será fundamental para diferenciar os escritórios nesse novo cenário.

A inteligência artificial está redefinindo o mercado jurídico, trazendo desafios e oportunidades em igual medida. Para prosperar, os escritórios precisam investir em soluções verticalizadas, repensar seus modelos de negócios e fortalecer o relacionamento com os clientes. A combinação de tecnologia e interação humana será a chave para um futuro mais eficiente, preciso e adaptado às necessidades do século XXI.

A evolução do Direito não para, e a IA é apenas o começo de uma nova era. Quem se adaptar primeiro colherá os frutos dessa transformação.